Universidade, para quem? A questão de mães e pais na universidade

Tivemos no ano de 2016 na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) um grande número de estudantes  ingressantes com baixas condições financeiras. A política de cinquenta por cento das vagas para ações afirmativas, somadas aos estudantes que ingressaram pelo Sistema de Seleção Unificada (SISU) renovou o perfil de calouros e calouras na universidade. Mas, ainda que pareça que as universidades tenham começado a se “democratizar”, na realidade o funcionamento é outro. Utilizaremos as dificuldades dos estudantes pais e mães dentro da instituição, um desses novos perfis ingressantes na universidade, com a intenção de ilustrar as sutilezas administrativas usadas como ferramentas para a manutenção de que uma formação de qualidade no Brasil ainda seja um privilégio das classes média e alta.

  • Moradia

Diferente da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde existe uma moradia estudantil somente para mães e pais, a UFSC oferece uma moradia com somente 167 vagas, em um universo de mais de 30.000 estudantes em todos os campi, onde é terminantemente proibido a estadia de estudantes com filhos. Se uma estudante ficar grávida enquanto reside na moradia, ela perde o seu direito ao auxílio, justamente em um momento de maior dificuldade material e emocional. Além disso, a questão do pouco número de vagas na moradia está diretamente vinculada a forte especulação imobiliária no entorno da UFSC. A alta demanda de estudantes atrás de moradia faz com que os proprietários (vários deles professores e servidores da UFSC) e imobiliárias cobrem preços astronômicos no aluguel dos imóveis, que na maioria das vezes não refletem em estrutura o preço cobrado, que geralmente não passam de kitnets minúsculas empilhadas. No caso específico das mães e pais a situação é ainda mais agravante, já que diversos locais não aceitam a presença de crianças.

  • Alimentação

Além do problema de moradia, a alimentação também se apresenta como outro desafio a ser superado pelos estudantes mães e pais. Recentemente foi posto em prática uma portaria aprovada pela gestão Roselane em 2015, onde crianças abaixo de sete anos poderão se alimentar no RU somente mediante a um cadastro semestral feito pelo responsável, comprovando o seu vínculo institucional. Crianças maiores que essa idade deverão, nas palavras do documento, comprovar mediante a justificativa de especialistas, formal e documentada, a necessidade de acompanhamento de outrem para alimentar-se. Mesmo conseguindo passar por essa barreira burocrática a estudante mãe terá que enfrentar uma fila quilométrica, falta de comida[1] devido aos funcionários estarem sobrecarregados e máquinas de suco há meses só com água.


  • Educação   

Fora essas questões básicas pertinentes a sobrevivência individual, entramos nas questões diretamente envolvidas no processo de educação na universidade, são medidas que isoladamente não parecem grande problema, mas se somadas e pensadas a partir de estudantes pais e mães em situação de vulnerabilidade econômica, representam empecilhos bastante concretos na obtenção da sua formação superior.

A falta de vagas pré-destinadas aos filhos de estudantes no NDI (Núcleo de Desenvolvimento Infantil) afeta diretamente na possibilidade de uma formação de qualidade dos seus pais, que acabam por dividir ao mesmo tempo suas energias no cuidado dos filhos e nos estudos. Se formos pensar que mesmo hoje onde as discussões sobre os reflexos da cultura patriarcal são mais comuns, ainda assim a responsabilidade pelo cuidado dos filhos ainda é centralizada na figura da mãe, se tornando além de uma questão econômica, também uma questão de gênero.

As bolsas auxílio creche destinadas a estudantes mães e pais em condições de vulnerabilidade sócio-econômica, além de insuficientes tendo em vista o alto custo de vida e consequentemente das instituições de ensino em Florianópolis, sofreram um corte de cinquenta por cento ainda na transição da gestão Roselane 2015/2016. Antes, quarenta bolsas eram oferecidas semestralmente, agora somente vinte são ofertadas com a justificativa da falta de demanda, justamente no ano onde se firmou a quantia de cinquenta por cento de vagas para ações afirmativas e o ingresso via SISU, e portanto um aumento do número de estudantes em condições de vulnerabilidade sócio-econômica.

Existe uma parceria público-privado (PPP) entre a UFSC e a creche Flor do Campus, onde a universidade cede o espaço físico para a estrutura da creche e em troca os filhos de estudantes poderiam ser matriculados pelo valor do auxílio, dependendo da disponibilidade de vagas por parte da creche Flor do Campus, ou seja, não há garantias! Há relatos de uma série de assédios por parte da administração e do corpo docente do Flor do Campus, por conta da condição de “bolsistas” dos estudantes e seus filhos. É inaceitável a utilização de um espaço público em benefício de instituições de ensino privadas, que por sua vez cometem abusos com os estudantes em condições de vulnerabilidade sócio-econômica. Somado a essa situação há um processo de reintegração de posse das áreas que contém a creche do HU e a Flor do Campus até o final do ano por parte da gestão Câncerllier. Portanto a situação de descaso com a permanência de estudantes mães e pais em condições de vulnerabilidade tende a se agravar, uma vez que medidas compensatórias não vem sendo sequer discutidas pela reitoria.

Uma vez sujeitados a condições precárias de suporte por parte da universidade, estudantes pais e mães são barrados/assediados por professores quando levam seus filhos para a sala de aula, tem seu acesso a biblioteca universitária impedido e não tem a mínima estrutura como banheiros com fraldários para o cuidado dos seus filhos. A universidade é claramente feita tendo em mente um perfil de estudante, branco, não-pobre, jovem, sem filhos, e todos aqueles que são desviantes desse padrão são desafiados diariamente a resistir em busca da conclusão de sua formação intelectual e profissional.

Basta da política de diálogo com reitorias e mediações institucionais a serviço de palanque político das organizações! A reitoria vem sorrateiramente prometendo segurança às mulheres com a implementação de uma delegacia da mulher, porém não é disso que as mulheres trabalhadoras e mães precisam para permanecer na universidade! É preciso nos organizarmos e lutar pela ampliação da Moradia Estudantil com estadia para mães e pais, pela criação de creches públicas que atendam as demandas, por fraldários em todos os centros, pelo livre acesso de filhos e filhas de estudantes ao RU!

Os estudantes da UFRGS, recentemente barrando a rediscussão e retrocesso da política de ações afirmativas, os secundaristas em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás, resistindo às políticas de fechamento de escolas e privatização do ensino público, e a história do movimento estudantil em geral nos mostra que não há diálogo possível com os de cima, e que só a organização independente e a ação direta geram avanços.

POR FRALDÁRIOS EM TODOS OS CENTROS!

AMPLIAÇÃO DO R.U E MORADIA ESTUDANTIL JÁ!

CRIAÇÃO DE CRECHES PÚBLICAS JÁ!


[1] Em diversas vezes neste semestre houve falta de arroz sendo substituído por farinha, além do já tradicional atraso no abastecimento dos recipientes de comida.

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