As jornadas de junho de 2013 e o movimento secundarista que ocupou diversas escolas pelo país significaram uma ruptura prática com décadas de monopólio social-democrata[1] sob o destino da luta dos trabalhadores e estudantes no Brasil. Além desses movimentos que ganharam destaque midiático tivemos várias greves em que as bases se rebelaram contra suas direções sindicais (majoritariamente dirigidas por partidos eleitorais), entre elas obtiveram maior visibilidade a dos professores do estado do Rio de Janeiro, a dos Garis cariocas e até mesmo a dos operários de Jirau que ocorreu anteriormente ao ‘boom’ de 2013, já anunciando o declínio do monopólio da tutela social-democrata. Pode-se afirmar que pela primeira vez no Brasil, após o movimento operário do início do século XX, temos movimentos (massificados e generalizados pelo país) não subordinados a um projeto político eleitoral, burocracias partidárias, sindicais e estudantis.
Apesar da grande ascensão das lutas autônomas, não houve a conversão dessas lutas em forças organizadas e permanentes, a ausência de polos aglutinadores dessas forças autônomas impossibilitou o enraizamento orgânico nos locais de estudo, trabalho e moradia. Não conseguindo transformar as forças autônomas dispersas em trabalho concreto com ações localizadas e com organização permanente, abriu-se espaço para retomada do protagonismo por parte da socialdemocracia e ela não perdeu a oportunidade. A partir de consumado o impeachment de Dilma Rouseuff, a social-democracia passou a adotar a tática de ligar ideologicamente a trapaça política que foi o processo de impeachment ao golpe civil-militar sofrido por Jango em 64, o intuito dessa comparação bizarra foi o de utilizar a repulsa popular por esse episódio sombrio de nossa história para impulsionar uma luta em defesa da democracia ou como falavam alguns: pelas diretas já!
Apesar de ser uma tática descaradamente oportunista foi vitoriosa cumprindo o papel de gerar desorientação e suscitar um espírito de democracia (da mesma forma que o movimento contra a corrupção), e ignorando que o mais próximo que chegamos ao estado de exceção foi no próprio governo Dilma com favelas ocupadas por tanques, lei antiterror e violação do direito de manifestação durante a Copa. O fato é que mesmo sendo uma tática frágil, vários setores avançados acabaram embarcando nessa distração e passaram a se ater ao conteúdo jurídico (Processo de impeachment legal ou ilegal) ao invés de se aterem em analisar exclusivamente ao conteúdo político-econômico (quais os partidos em disputa? que frações da burguesia eles representam? que interesses essas frações tem em jogo?). O conceito de golpe terminou sendo assimilado por boa parte setores avançados, mesmo anexado ao um adjetivo qualquer (golpe institucional, político, etc.) reforçou a ligação ideológica como o golpe civil-militar difundida pela social-democracia e como consequência a propagação de um espírito de defesa democrática pelo qual só os sociais democratas e a ordem burguesa possuem interesse.
A materialização desse espírito de defesa se deu na forma das manifestações “Fora Temer” e “paralisações” que ocorreram pelo país nas quais, desde o início, as reivindicações são puramente politicistas, centradas na velha dicotomia[2] Oposição x Situação, tendo como centralidade o governo (derruba-lo, conquistá-lo e mantê-lo) e com isso acabaram por secundarizar até mesmo a defesa contra a continuidade dos ataques aos direitos, agora encabeçados por Temer.
Devido essa centralidade politicista na democracia burguesa, participar das manifestações e “paralisações” significava reforçar a necessidade de defesa democrática e mesmo os que participavam na tentativa de disputá-las acabavam por serem absorvidos pelo espírito de defesa da democracia burguesa. Porém hoje com a conversão das ameaças do governo Temer em ações efetivas, acreditamos que se abre a necessidade e a possibilidade de enfrentamento ao monopólio social democrata dos partidos eleitoreiros. Pois agora com os ataques à previdência social; jornada de trabalho; congelamento dos gastos públicos; ensino médio e com o novo leilão petroquímico em destaque nas mídias sociais, mesmo que de forma oportunista estas pautas ganharam mais visibilidade nas mobilizações e dentro delas surge a possibilidade da disputa ideológica já que todos esses ataques foram iniciados e anunciados no próprio governo deposto, expondo assim a contradição do discurso social-democrata que por meio de seu discurso politicista tenta difundir que o problema está na composição de governo ou do congresso. O propósito dos setores mais avançados deve ser o inverso, mostrando que o problema é a própria democracia e que a solução não está nem num governo de esquerda ou em se ter um congresso menos conservador, mas sim na luta classista, autônoma e combativa.
Para não deixarmos o bonde passar e a esquerda reformistas tomar a direção novamente devemos nos ater a 3 tarefas cíclicas que são básicas e essenciais:
- Propaganda: Promover o combate ideológico (através de cartazes, jornais, mídias sociais, panfletagens, pichações etc.) sempre ligando as reformas de Temer como continuidade das iniciadas pelo governo Dilma e também publicizando as tradicionais traições (criminalização, manobras em assembleias, delações etc.) dos partidos durante o processo de luta;
- Agitação: criar gritos/palavras de ordem próprias, compor canções de rua, criar uma identidade estética dentro das mobilizações (faixas, bandeiras, sinalizadores, bateria etc.), garantir intervenções nos carros de som (ou obter um megafone próprio). Sempre se diferenciando do setor reformista e ligando os ataques do governo Temer como continuidade dos governo PT/PMDB;
- Organização: É preciso ter o entendimento que somente a atividades de rua ou paralisações são insuficientes para a manutenção da luta e por isso o trabalho de base é fundamental em nossos locais de estudo, trabalho ou moradia. Para além da atuação em nossas lutas específicas de cada localidade, se faz necessário a auto instituição de pólos aglutinadores locais que agreguem indivíduos e coletivos comprometidos com a autonomia da luta. Outra tarefa mais complexa é tentar fazer uma articulação a nível nacional entre esses setores, que pode ser feito de forma específica (somente ao âmbito universitário) promovendo uma atividade paralela a um encontro de curso ou em um de casas de estudantes, por exemplo. Porém, é preciso de articulações de forma mais ampla (entre movimentos estudantil, sindical e popular) e para isso vemos construção de encontros como o ENOPES[3] (Encontro Nacional de Oposições Populares, Estudantis e Sindicais) como fundamentais para trocas de experiências e para uma articulação para além das fronteiras territoriais e das divisões corporativistas.
Ainda que a social democracia iniciado o processo de retomada da sua tutela sob as lutas, até o presente momento o legado da luta autônoma e anti reformista deixado pelas jornadas de junho persiste vivo subjetivamente expressado no boicote massivo as eleições municipais e materialmente através da luta autônoma dos secundaristas que nesse momento voltam a ocupar dezenas contra a reforma do ensino médio. O dever de casa agora é transformar experiências de lutas dispersas e efêmeras em ação política coordenada e permanente.
SUPERAR A SOCIAL-DEMOCRACIA E CONSTRUIR A LUTA AUTÔNOMA E COMBATIVA!
OUSAR LUTAR, OUSAR VENCER!
[1] Partidos ditos de esquerda comprometidos com a democracia burguesa e que fazem a cisão entre luta política e econômica.
[2] Divisão de um elemento em duas partes, geralmente contrárias (ex. bem e mal).
[3] Encontro impulsionado pelo Fórum de Oposições pela Base (FOB), realizado em 2013 e que aglutinou diversos setores autônomos ativos nas jornadas de Junho.