Hora-atividade e ponto-eletrônico: o novo pesadelo do magistério catarinense

Hora-atividade e ponto-eletrônico: o novo pesadelo do magistério catarinense

O trabalho docente é muito mais do que ‘apenas’ ministrar aulas e envolve outras atividades, como estudos, planejamentos anuais, trimestrais e das aulas, preparação de atividades e avaliações, correções, publicação de notas e conteúdos no sistema, acompanhamento e avaliação da prática pedagógica, etc. O tempo de trabalho que dedicado a esses afazeres é chamado de hora-atividade. O direito a esse tempo de trabalho (remunerado) fora de sala de aula foi uma conquista histórica dos trabalhadores da educação.

Quem faz as leis que regulamentam a hora-atividade, e nossas jornadas como um todo, não trabalha nas escolas. Não conhece nossas demandas de trabalho e nem as condições de nossos locais de trabalho. A forma como essas pessoas legislam vem transformando nosso direito em um pesadelo.

A questão da hora-atividade

A hora-atividade é um período de atividades complementares à docência, que o professor precisa realizar, que não ha interação com os alunos essas atividades incluem ações de estudo, planejamento, acompanhamento e avaliação da prática pedagógica, além de aperfeiçoamento profissional. Esse período está previsto na Lei Complementar nº 668/2015, na Lei nº 16.861/2015 e no Decreto nº 1.659/2021.

A portaria nº 226 de 2022, que detalha o decreto 1.659/2021, estabelece os critérios para organização e cumprimento da hora-atividade para professores efetivos e ACTs da rede estadual de Santa Catarina. Segundo o governo, “o objetivo da regulamentação é propiciar uma maior qualificação ao trabalho docente, beneficiando e impactando positivamente o trabalho educacional”, porém, o que ocorre na prática é justamente o contrário. Segundo os documentos oficiais, a hora-atividade pode corresponder a 1/3 ou 2/3 da jornada de trabalho total do docente. Assim, um professor que atua com uma jornada semanal de 40 horas deverá cumprir 800 minutos de horas-atividade (no caso de 1/3), sendo metade disso na unidade escolar, ou seja, 400 minutos. Um professor com jornada de 20 horas deverá cumprir 400 minutos de horas-atividade, sendo 200 deles na escola. Abaixo replicamos a tabela que consta como anexo do Decreto nº 1.659/2021. [1]

QUANTITATIVOS DE HORAS-AULA E DE HORAS-ATIVIDADE CORRESPONDENTES ÀS RESPECTIVAS JORNADAS DE TRABALHO

JORNADA DE TRABALHO SEMANAL (1 hora = 60 min.)MÁXIMO PARA INTERAÇÃO COM EDUCANDOSCOMPOSIÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO (PROFESSOR)
HORA – ATIVIDADEHORA – ATIVIDADE CUMPRIDA NA ESCOLAHORA-AULA (45 min)
10 horas (600 min.)400 min.200 min.100 min.8 (360 min.)
20 horas (1.200 min.)800 min.400 min.200 min.16 (720 min.)
30 horas (1.800 min.)1.200 min.600 min.300 min.24 (1.080 min.)
40 horas (2.400 min.)1.600 min.800 min.400 min.32 (1.440 min.)

A portaria publicada pelo governo estabelece a obrigatoriedade de que pelo menos 50% da hora-atividade seja cumprida na escola, durante o expediente da jornada de trabalho. Isso significa que quem trabalha no período vespertino, mas não no período noturno, não poderá ficar depois do expediente, aproveitando que já está na escola, para fazer a hora-atividade. Este professor terá que ir outro dia apenas para cumprir sua hora-atividade no período vespertino.

A exigência de cumprir hora-atividade durante a jornada de trabalho obriga o professor a realizá-la nas “janelas” (período vago entre aulas) e, para o profissional que possui carga horária cheia, passa a ser necessário retornar à escola em outro dia.  Para quem tem tempo disponível, há aumento no custo e no tempo gasto com transporte. Mas a maioria dos professores não tem períodos disponíveis para retornar à escola para cumprir hora-atividade, pois precisa estar em sala de aula em outra escola.

Além disso, a maior parte das escolas do estado não oferece estrutura adequada para o cumprimento da hora-atividade. Por isso, na maior parte das unidades somos obrigados a preparar ou corrigir atividades na sala dos professores, local geralmente inadequado para trabalhar com concentração, pois não há computadores suficientes e que serve como espaço de descanso, convivência, confraternização e discussão entre os trabalhadores.

Ao invés de ajudar o trabalho docente, a proposta do governo para o cumprimento da hora-atividade é impraticável em grande parte das escolas do estado. O governo exige 50% do tempo na escola, mas não oferece condições adequadas. Por isso, os professores costumam levar seu trabalho para casa, para poder ter espaço, silêncio, computadores, cadeiras e conexão de internet adequados, mas agora essa única “alternativa” para driblar a precarização de nossos locais de trabalho poderá gerar punições.

E o problema do ponto-eletrônico

A partir de maio, pontos-eletrônicos começaram a ser instalados nas escolas para substituir outras formas de registro, como o tradicional livro-ponto. A implementação do ponto-eletrônico está diretamente relacionada ao cumprimento da hora-atividade.

Com a instalação do ponto-eletrônico, o tempo que o professor passa na escola é registrado eletronicamente, sem diferença entre o registro de presença para trabalho em sala e o de hora-atividade. O registro eletrônico limitará a realização da hora-atividade ao período da jornada de trabalho, pois não aceitará nenhum registro fora deste.  

O ponto também tira a autonomia da escola para remanejar seu horário de aulas. Quando um ou outro professor falta é comum que, a partir de acordo entre direção e professores, ocorra o “adiantamento” das aulas posteriores para que os alunos não fiquem “ociosos” na escola. Assim, mesmo que o professor adiante suas últimas aulas, não poderá sair mais cedo para trabalhar em casa, deverá ficar até o fim do expediente “de castigo”, sem conseguir trabalhar na sala dos professores, apenas para bater o ponto (porque o registro de saída antecipada gerará desconto de salário). Com o ponto eletrônico, o docente terá cada minuto de atraso descontado de seu pagamento, mas não ganhará um centavo a mais se ficar na escola após o expediente, o que fazemos cotidianamente.

O governo investe na compra de equipamentos eletrônicos para intensificar o controle sobre a presença dos servidores nos locais de trabalho, mas não investe para adequar o espaço escolar para a realização da hora-atividade que ele próprio exige.

É fundamental que os trabalhadores em educação conversem sobre o que essas medidas significam na realidade das escolas em que trabalham. Não podemos aceitar que o governo nos cobre cada vez mais, mas não nos ofereça as condições mínimas.


[1] https://leisestaduais.com.br/sc/decreto-n-1659-2021-santa-catarina-regulamenta-o-cumprimento-da-hora-atividade-nas-unidades-escolares-da-rede-publica-estadual

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